Amar os homossexuais

Eu não deveria me surpreender, nos tempos atuais, com o que li hoje. Um site “católico” teria divulgado uma lista de políticos que mereceriam o “cartão vermelho” do eleitor católico por comporem “frente organizada pelo agressivo lobby gay no Congresso Nacional que propõe, entre outras coisas, que crianças sejam doutrinadas na ideologia gayzista, que o Estado financie paradas gays e políticas de interesse do lobby, e que cidadãos sejam perseguidos e presos por se oporem a isso”. Nada mais anticristão do que dizer tais bobagens. Quem é Nosso Senhor Jesus Cristo? Como Ele agiu em sua vida terrena?

Até onde sei, Nosso Senhor não disse “Abominarás os gays, este é o maior e primeiro mandamento; o segundo, semelhante a este é: abominarás a ideologia gayzista como abominas os gays.” Não se trata apenas de um neologismo horrendo, mas de uma completa subversão das palavras de Cristo (Mt 22,37-40):

Respondeu Jesus: Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito (Dt 6,5). Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás teu próximo como a ti mesmo (Lv 19,18). Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas.

Quem é o próximo, a quem devemos amar? Na parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37), Jesus Cristo ensina que até mesmo um samaritano pode ser o próximo para um judeu – e quem mais pecador, para um judeu, do que um samaritano?

Empréstimo pseudo-evangélico

A questão “anti-gayzista” parece na verdade um empréstimo pseudo-evangélico, isto é daqueles falsos profetas que andam o tempo todo com uma bíblia debaixo do braço dizendo “Senhor, Senhor!”, mas que não fazem a vontade do Pai – esses não entrarão no Reino dos céus (Mt 7,21). Não preciso citar quem são, pois eles mesmos dão seu testemunho.

O Catecismo da Igreja Católica (CIC), ao contrário, dá exemplo da sã doutrina, plenamente de acordo com o ensinamento do verdadeiro Evangelho revelado por Deus aos seus discípulos. Após dizer que os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados, ainda que sua gênese psíquica permaneça por se explicar (§ 2.357), assim afirma:

2358. Um número considerável de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais profundamente radicadas. Esta propensão, objectivamente desordenada, constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na sua vida a vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição.

2359. As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem aproximar-se, gradual e resolutamente, da perfeição cristã.

Isso mesmo! Os homossexuais são chamados a uma vida de santidade, tanto quanto os heterossexuais! E, mais ainda, devemos ajudá-los com uma “amizade desinteressada”! Nesse momento, São João da Cruz nos convidaria a todos para a “noite dos sentidos” e a “noite da fé”, a fim de nos fecharmos para o que nós mesmos criamos e nos abrirmos para o que vem de Deus (v. Subida do Monte Carmelo).

Quem ou o que merece o “cartão vermelho”?

Quem, na política, verdadeiramente merece o “cartão vermelho” dos católicos? Todo aquele que vai contra o amor cristão. Isso significa ir contra o respeito aos trabalhadores, às crianças, aos idosos e a todos os que se encontram em uma situação frágil em nossa sociedade, inclusive os homossexuais.

Numa sociedade em que tantos atos de homofobia ocorrem diariamente, muitas vezes ganhando as manchetes devido à violência e à arbitrariedade com que são escolhidas suas vítimas (às vezes pai e filho, ou então irmãos, porque se abraçam), não é possível a um verdadeiro cristão assistir de braços cruzados. É preciso agir e garantir os direitos humanos, inclusive alterando a legislação para que tamanha barbárie não passe impune. É o que procura fazer o PLC 122/2006, que apenas amplia a legislação penal que já combate o preconceito e a discriminação, passando a abranger também o preconceito e a discriminação contra homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis e até heterossexuais, de acordo com o último relatório, de autoria da senadora Marta Suplicy.

A violência, o preconceito e a discriminação é que merecem nosso “cartão vermelho”.