Teologia da Libertação: uma opinião

Nos debates que cercam as eleições, tive de me manifestar a respeito da teologia da libertação. Uma corrente importante no pensamento cristão, surgida no seio da Igreja Católica na América Latina. É uma teologia com cheiro de povo, e não é à toa. Tem bons fundamentos, pode ser bem praticada, mas também está sujeita a certos erros. Reproduzo aqui minha participação no debate.

A teologia da libertação parte de uma mística da pobreza, isto é, procura encontrar Deus nos pobres (“estive nu/doente/encarcerado”, disse Jesus em Mt 25,31ss). Esse caminho místico é muito proveitoso para quem o persegue e para toda a humanidade, se bem percorrido, pois propicia o encontro com Deus e a transformação das estruturas de pecado existentes em nossa sociedade: o tráfico de drogas, a escravização e o tráfico de pessoas, a opressão dos pobres em benefício dos ricos. É a tônica do profeta Amós, por exemplo. É um caminho de santidade individual e coletiva.

Contudo, é um caminho difícil, porque o diabo se transfigura em anjo de luz (2Cor 11,14). Por vezes, ele desvia o olhar daquele que procura percorrer esse caminho místico, fazendo-o olhar tanto para a pobreza que não chegue a encontrar Deus. Daí surgem os desvios materialistas. Pensando em fazer o bem, o fiel acaba aderindo a ideologias transformadoras erradas, que excluem Deus e a dignidade de cada homem. São teorias que acreditam que tudo é histórico, que não existem valores universais, que cabe ao homem construir seu próprio paraíso, que o bem da sociedade está absolutamente acima do indivíduo. É o caso do comunismo.

Acredito, porém, que devemos procurar aquilo que une todos os cristãos: a fé na Salvação em Cristo. Uma Salvação que é futura, mas que se manifesta desde já nas pequenas salvações: a cura de doenças, a libertação dos cativos, a justiça para os pobres (v. Jo 20,30s). Alguns, adeptos da teologia da libertação, procuram viver essa fé na salvação por meio da mística da pobreza: encontrar Deus nos pobres.

Eu prefiro para mim uma “mística do Reino”, ou seja, o exercício do reinado divino em minha vida. Basileu, “rei” em grego, não um simples governante, uma “rainha da Inglaterra”. Ao contrário, é alguém que tem poder, cuja vontade é imperativa, realiza-se. O Reino de Deus se realizará plenamente no mundo vindouro, mas se realiza desde já quando agimos como cidadãos do céu (v. Fl 3,20). E, se nós verdadeiramente o somos, agimos como tal e não colocamos nosso prazer nos desfrutes terrenos, mas na esperança e no amor, que se realizam verdadeiramente em nossas vidas, pois Deus detém o poder e sujeita a si toda criatura. Nós nos entregamos voluntariamente por amor, como a esposa ao esposo, e nossa alma já não se regozija nos prazeres do nosso próprio corpo, mas de nosso amado, Jesus Cristo, que está em cada um dos menos favorecidos, esperando nossa ajuda concreta para mudar a sua vida.

Esse é um caminho no sentido contrário, mas que não é oposto à mística da pobreza. Me regozijo em cada um que encontra Deus nos pobres. Me regozijo em cada um que vai aos pobres por amor a Deus. Como faz o nosso papa, Francisco.

Por fim, centrar-se exclusivamente no homem é um risco para o que adere à teologia da libertação, mas não é uma necessidade. Uma boa teologia da libertação estará centrada em Deus, que podemos encontrar nos pobres. É a própria Igreja que faz a opção preferencial pelos pobres, isso é parte do Magistério. Mas, quem quiser percorrer esse caminho deve estar ciente dos riscos e pedir sempre o discernimento divino, entregar-se completamente a Deus para melhor se doar aos pobres. Rezemos, então, por todos aqueles que aderem à teologia da libertação, para que tenham discernimento, e para que todos nós possamos ir ao encontro dos menos favorecidos, servindo assim o próprio Cristo!