O cristão na civilização do mal-estar

Ontem à noite na minha turma do Curso Superior de Teologia houve uma interessante discussão sobre o papel do cristão (e do teólogo) num mundo dominado pela permanente necessidade. O debate foi baseado na parte I do livro Teologia e outros saberes, de João Décio Passos. É claro que a discussão se prolongou, não caberia toda aqui, mas seleciono algumas questões que considero importantes.

A civilização do mal-estar

Um dos temas do debate foi a constante necessidade de consumo ou domínio criada pela sociedade atual. Não apenas pelo ritmo da inovação tecnológica, que por si não é ruim, mas pela necessidade imprimida às pessoas de sempre ter o mais novo, sempre ter o controle sobre tudo, sempre não ter carência alguma. Isso tudo gerado necessariamente num contexto em que o ser humano se imaginou capaz de tudo, inclusive de satisfazer todas as suas necessidades.

O primeiro passo para contornar o problema da impotência, que gera depressão e estresse, é reconhecer a capacidade natural do ser humano de dominar a natureza, mas também sua incapacidade de ter o pleno controle exigido hoje em dia. Mais que nunca, o homem pergunta: “de onde me virá o socorro?” Mais que nunca é hora de responder: “o meu socorro virá do Senhor, criador do céu e da terra”. (Sl 120,1-2)

O raciocínio é simples: o homem é capaz de abarcar a criação? Talvez algum positivista no século XIX respondesse que sim. Contudo, a ciência evoluiu muito desde então, mas continua sempre à mesma distância de compreender tudo o que existe. O socorro só pode vir de Deus, o qual é infinitamente maior que a criação. Quando a razão não dá a resposta, é hora de se deixar levar pela fé, que não lhe é oposta, mas complementar. “Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio” (Beato João Paulo II, Fides et ratio). Santa Tereza Benedita da Cruz (Dr.ª Edith Stein) já dizia: “quem busca a verdade, busca Deus, seja ou não consciente disso”. Para São João da Cruz, é a fé que ilumina o ser humano quando a razão não lhe dá a luz (Subida do Monte Carmelo, s. 2).

O papel do cristão

Muito bem, e como o cristão deve agir? Parando. Na extrema velocidade em que vivemos, na rápida sucessão de necessidades, a satisfação só pode ser atingida parando. E, para parar, precisamos estar em movimento. Disse então que deveríamos voltar às origens, ao tempo da perseguição romana, quando os cristãos eram perseguidos não por não se inserirem na civilização romana, mas por não se curvarem ao imperador – apenas Deus deve ser cultuado.

Os avanços da ciência são bem vindos. Os confortos trazidos pela tecnologia fazem parte da nossa cultura e não há como retroceder – nem seria benéfico. Contudo, é preciso parar e entregar-se a Deus. Buscar satisfação dentro de si próprio, como se um vazio pudesse preencher o próprio vazio, semelhante a um copo enchendo-se a si mesmo com o próprio copo, é estar fadado à incapacidade de ser feliz.

Nosso testemunho deve ser o de poder sair do ciclo da necessidade e chegar ao ciclo da satisfação: Deus se entrega e se une a nós, que nos entregamos e nos unimos a Deus, em atos e em oração. Vivermos no mundo, mesmo não sendo do mundo (Jo 17,13ss). Assim poderemos ser luz para iluminar esse mundo tenebroso (Mt 5,14-16; Ef 6,12).