Imitando Cristo (6)

Livro I – Avisos úteis para a vida espiritual

Capítulo 6 – Das afeições desordenadas

1. Todas as vezes que o homem deseja alguma coisa desordenadamente, torna-se logo inquieto. O soberbo e o avarento nunca sossegam; entretanto, o pobre e o humilde de espírito vivem em muita paz. O homem que não é perfeitamente mortificado facilmente é tentado e vencido, até em coisas pequenas e insignificantes. O homem espiritual, ainda um tanto carnal e propenso à sensualidade, só a muito custo poderá desprender-se de todos os desejos terrenos. Daí a sua freqüente tristeza, quando deles se abstém, e fácil irritação, quando alguém o contraria.

2. Se, porém, alcança o que desejava, sente logo o remorso da consciência, porque obedeceu à sua paixão, que nada vale para alcançar a paz que almejava. Em resistir, pois, às paixões, se acha a verdadeira paz do coração, e não em segui-las. Não há, portanto, paz no coração do homem carnal, nem no do homem entregue às coisas exteriores, mas somente no daquele que é fervoroso e espiritual.

Quantas vezes procuramos a paz e não achamos! Procuramos a paz cuidando de nossa saúde, procurando um bom emprego, divertindo-nos com os amigos… Isso tudo é bom, mas não garante paz. Outras vezes, procura-se paz escapando da vida real, entregando-se à busca desenfreada de prazer no sexo “livre”, nas drogas, na acumulação de bens materiais, na compra do que há de mais novo, ou do que está na moda. Isso muito menos garante a paz.

A saúde um dia se abala, o emprego se perde ou estressa, os amigos vão e vem… O sexo passa a ser uma necessidade sempre urgente, aprisionando e esvaziando, em vez de complementando, as drogas viciam e debilitam, os bens materiais nunca são suficientes, sempre surge algo mais novo ou a moda muda… Procuramos em nossa própria razão ou em nossas próprias afeições aquilo que nos satisfaria eternamente, mas não podemos encontrar satisfação permanente no que é passageiro e limitado.

“Bem-aventurado aquele que tem coração de pobre”! (Mt 5,3) Aquele que não se apega às coisas criadas, mas ao criador que as fez, o Pleno, o Eterno, de quem se origina toda existência e todo bem, é ele quem pode saciar a nossa sede, preencher a nossa falta. “Em verdade vos declaro: todo aquele que deixar irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher, filhos, terras ou casa receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna.” (Mt 19,28a.29)

As coisas criadas jamais saciam nossa sede. Quando bebemos, logo precisamos beber mais. Quando comemos, logo precisamos comer mais. Quando possuímos, logo precisamos possuir mais. A água que bebemos se transforma em suor e urina. O alimento que comemos se transforma na energia que alimenta nosso corpo, ou é eliminado nas fezes. O que possuímos se desgasta e se perde. Onde, então, poderemos saciar nossa sede de sermos plenos e verdadeiramente vivos?

“Respondeu-lhe Jesus: ‘Todo aquele que beber desta água tornará a ter sede, mas o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna’.” (Jo 4,13s) É Deus quem pode nos saciar na “esperança da vida do mundo que há de vir” (Símbolo Niceno-Constantinopolitano). Devemos, então, deixar para trás os nossos bens e depois seguir Jesus (Mt 19,21), o único caminho que leva ao Pai (Jo 14,6). Não demos, então, mais importância às criaturas que ao criador. Se queremos receber o bem até à plenitude, devemos nos entregar a Deus. “Só Deus é bom. Se queres entrar na vida, observa os mandamentos” (Mt 19,17bc).