Ó, Fortuna!

Poesia e profecia são intimamente relacionadas, ao ponto de a palavra “vate” se referir tanto ao poeta, quanto ao profeta. Não à toa, os livros proféticos da Bíblia contêm diversos trechos em versos.

Mas, não são apenas os versos que definem um poema: a multiplicidade de significados (polissemia) e o uso de linguagem simbólica são importantíssimos. Na poesia lírica, recorre-se a um personagem chamado “eu lírico” que não é o autor, nem precisa ser a reprodução de uma pessoa real. O poema a seguir, usando como fio condutor a personagem “Fortuna” (símbolo daquilo que é imprevisível) e como eu lírico uma pessoa poderosa do presente, referindo-se a aspectos de sua história sem, no entanto, fazê-lo como verdadeira citação (mas demonstrando sua personalidade e seu caráter), faz um vaticínio, a profecia de sua queda:

Ó, Fortuna
(Para JB)

Ó Fortuna,
Que ao som da artilharia me deu
Numa mão um espadim
Na outra, a borduna!

Ó Fortuna,
Que não me deixou ameaçar,
Me aposentou e me elegeu
Pra que o tribunal não me puna!

Ó Fortuna,
Que me deixou fazer oposição
Em partido da situação
E ameaçar tortura!

Ó Fortuna,
Que três mulheres me deu
E três filhos elegeu
Virá ainda mais uma?

Ó Fortuna,
Que me viu sonhar
E me entronizou de um golpe
E me tirou na urna!